Com os preços da soja cada vez mais pressionados e garantindo resultados cada vez mais amargos para os produtores brasileiros, a originação da soja no mercado nacional está bastante comprometida. De algo como 105 a 110 milhões de toneladas da soja 2023/24 que o país ainda tem a comercializar, novos negócios se dão apenas frente a necessidades muito fortes de caixa dos produtores para o cumprimento de seus compromissos financeiros. Ainda assim, as operações são bastante escassas e apenas o que tem se concretizado são as entregas de negócios feitos antecipadamente, a valores bem mais altos.
Nos últimos trinta dias, segundo números da Pátria Agronegócios, apenas 3% da safra brasileira foi comercializada, volume muito aquém do que se registrou em anos anteriores, mostrando-se bastante irrelevante para “desafogar” o mercado e permitir que os preços pudessem ter qualquer comportamento diferenciado. “Não há negócios. O comprador não está disposto a pagar mais pelo produto e o produtor rural não está disposto a se submeter a vendas nos atuais preços e temos agora um momento de atraso no processo de colhieta”, explica o diretor da consultoria, Matheus Pereira.
Apesar de o atual momento ser, tradicional e sazonalmente, um período em que os preços são pressionados, neste ano o movimento está mais agressivo. E isso se dá mesmo diante de uma quebra de safra no Brasil, de cerca de 20 milhões de toneladas em relação às estimativas iniciais para esta temporada que passavam de 160 milhões. Os atuais preços apenas empatam as contas dos produtores, ou nem isso em algumas regiões do país.
“Existem aqueles produtores que se preparam, que conseguiram construir caixa, colocar proteções para tolerar essa época do ano sem fazer novas vendas, porém, infelizmente, a vasta maioria do Brasil ainda tem muita soja a ser comercializado, baixíssimo volume de vendas – inclusive de vendas a futuro – e há prazos vencedores para muitos produtores”, complementa Pereira. “São os prazos finais em que o produtor teria que, na teoria, estar vendendo soja (…) Os compradores entendem que há pouca soja no Brasil comercializada a futuro e que há compromissos a serem honrados nos próximos finais de meses. Será necessário observar este ano como serão arquitetados essas necessidades de venda, principalmente entre os produtores que têm baixos volumes comercializados”.
A pressão maior sobre a formação de preços da soja no Brasil vem, evidentemente, das perdas na Bolsa de Chicago. De 2 de janeiro a este 23 de fevereiro, as perdas entre os contratos março e maio – ambos já operando abaixo dos US$ 11,40 – passam de 11%. O março cedu 11,15%, saindo de US$ 12,73 para US$ 11,31 e o mario de US$ 12,81 para US$ 11,39. Nesta sexta-feira, os futuros da oleaginosa testaram suas mínimas em três anos, resultando também nos piores preços em três anos para a soja brasileira, como explicou o consultor de mercado Vlamir Brandalizze, da Brandalizze Consulting.
Os indicativos cedem forte tanto no interior do Brasil, quanto nos portos, ainda como explica o consultor. No porto de Paranaguá, por exemplo, as referências foram aos menores preços dos últimos quatro anos – com R$ 116,00 no março e R$ 122,00 no julho. “E isso é reflexo de Chicago. O produtor está segurando as vendas e, mesmo assim, a única positiva agora são os prêmios, que estão melhorando”, diz. Embora ainda negativos, os valores já se recuperam de mínimas testadas nos últimos meses e ajudam, ao menos, a amenizar o peso do mercado futuro norte-americano.
Na análise de Alê Delara, da Pine Agronegócios, “o momento não poderia ser pior para a soja aqui no Brasil”. A consultoria mostra que há uma baixa de 15% no mercado doméstico entre os preços da oleaginosa. Segundo o analista de mercado, o movimento é também reflexo de uma demanda bastante fraca neste início de ano. Todavia, diz ainda que “este argumento é muito questionado, pois os embarques em janeiro tiveram um crescimento de 159,195 em comparação com janeiro de 2023 e foram recorde para o período. As nomeações para fevereiro também apontam para embarques maiores do que o último ano”, explica Delara.
O especialista detalha ainda que estes bons volumes de soja embarcada no primeiro mês e até a segunda quinzena do segundo mês deste ano são, em sua maior parte, de soja da temporada passada. O tempo de espera no porto de Paranaguá, por exemplo, está acima de 40 dias e, “assim, a soja da temporada 2023/24 começará a ser embarcada somente no próximo mês e a programação aponta para um volume 46,86% menor em comparação com as nomeações de 23 de fevereiro de 2023. Neste momento, as nomeações de navios para embarques dem março são 45,2% menores em comparação com o mesmo período de fevereiro de 2023”.
FRETES DE 15 a 20% MAIS BARATOS
Neste cenário, a demanda por fretes rodoviários é menor e, por isso, rotas importantes já sinalizam valores menores de 15% a 20% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo informações da ESALQ-Log. A rota Sorriso/MT – porto de Itaituba tem média de
“Os fretes estão em um momento de baixa, reflexo muito desta dificuldade de originação e isso é um fator importante. O produtor, com sua margem bastante reduzida, está em um momento de retração da comercialização e quando olhamos para o fluxo final dos grãos, principalmente da soja, vemos um movimento de baixa demanda por tranporte”, explica Fernando Bastiani, pesquisador da ESALQ-Log.
Ainda segundo ele, os preços dos fretes não atingiram seu pico e poderiam marcar este movimento entre a segunda quinzena de fevereiro, primeira de março.
O QUE ESPERAR PARA OS PRÓXIMOS MESES?
Esta é uma resposta ainda difícil de ser trazida. As realidades serão distintas para cada produtor e para cada região do Brasil, apesar de todas elas ainda terem consideráveis volumes de soja para comercializar. E assim, as estratégias deverão ser as mais distintas a serem adotadas pelos produtores daqui em diante.
“A estratégia do produtor de reduzir sua velocidade comercial, exatamente, por não saber o tamanho da sua safra, por consequência, o fluxo de caixa do segundo semestre, diminuiu as vendas, não tem mercadoria (de Mato Grosso) para ser transitada para os portos do Arco Norte, ferrovias, Sul e Sudeste, acabo diminuindo bastante a movimentação comercial. As vendas estão reduzidas, os embarques super reduzidos e não se vê caminhões transitando muito em áreas de produção. Observando polos do Médio Norte e Norte, Oeste (ambos de MT) é possível registra que o movimento de caminhões para os armazéns é lento, sem filas e ninguém reclamando de caminhões parados na frente de cooperativas, tradings e armazéns gerais”, explica Mario Mariano, diretor da Novo Rumo Corretora e da Agrosoya.
Assim, ao passo em que a colheita vai avançando no Brasil e os preços definindo suas trajetórias no mercado brasileiro, o produtor vai também revisando sua comercialização. “E ele ainda não vai comercializar algo que ele não tenha rentabilidade. Estamos com um pouco mais de 65% da soja colhida no estado de Mato Grosso, quando terminarmos a colheita, o produtor vai passar a régua e entender seu rendimento médio. Aí sim ele tem um fluxo de caixa que permita fazer novas comercializações”, complementa Mariano.
Além disso, atualmente, as vendas via operações de troca para a soja 2024/25 estão mais atrativas, ainda segundo o especialista, do que uma venda “por reais, quando o custo do produtor está maior do que a sua receita”. Ele cita o atual momento do cloreto de potássio, que foi o fertilizante que mais caiu nos últimos anos. Do início da guerra entre Rússia e Ucrânia até o momento atual, o KCl saiu de US$ 1100,00 para US$ 280,00 por tonelada, custo e frete.
Baseando-se em Mato Grosso, maior estado produtor de soja do país, ele afirma que muito ainda está para acontecer em termos de comercialização e originação de soja. “A venda antecipada é pequena, não passa de 42%, sobre uma produção de 38/39 milhões de toneladas. Muito há ainda para acontecer entre guardar os grãos, conferir o tamanho da safra, se haverá ou não renegociações de washout com as empresas de barter, com as tradings, com as cooperativas”.
Com isso, para que haja ao menos uma recomposição dos estoques que estão sendo carregados – considerando custo de carrego, média quebrada da produção e pagamento de investimentos que estão sendo feitos para – os preços teriam de se mostrar acima de R$ 120,00 por saca para estimular novas vendas.
Na última terça-feira (20), o analista de mercado Marcos Araújo, em entrevista ao Bom Dia Agronegócio, fez as contas de quanto tem custado para o produtor carregar a soja que ainda não conta com nenhum tipo de proteção.
“Hoje (20 de fevereiro de 2024), uma soja de R$ 95,00 a saca, em um período de oito meses – de março a outubro -, para o produtor que optar por manter essa soja no armazém, pagando armazenagem e quebra téncica, deixando de ganhar os juros, é, praticamente, necessária uma alta de R$ 11,00 por saca para manter essa soja armazenada (e essa decisão ser compensada). Isso nos preocupa porque a curva de preços em Chicago é uma curva invertida, com maio a US$ 11,85 e novembro a US$ 11,60. O mercado futuro nos diz que não vale a pena segurar a soja para vender no segundo semestre, conforme as condições atuais do mercado”, afirma o analista.
Araújo lembra ainda que em 2022 e 2023, com curvas invertidas de preços em Chicago, a recomendação da Agrinvest foi pela operação caixa – vender a soja na safra, aplicar o dinheiro para economizar armazenagem e quebra técnica e comprar seguro de alta na Bolsa de Chicago – pelo produtor brasileiro. “Os produtores precisam focar na gestão de risco de preço”.
Em pleno andamento da colheita, o Brasil tem comercializado de 100 mil a 300 mil toneladas de soja por semana, algo completamente incomum para os últimos anos no mercado do maior exportador mundial da oleaginosa.
Fonte: Notícias Agrícolas – Por: Por: Carla Mendes