Cenário exige cautela para o agronegócio brasileiro

Foto: fotokostic/Getty Images
Foto: fotokostic/Getty Images

As perspectivas para o agro brasileiro em 2025 são promissoras, mas o céu não é exatamente de brigadeiro, visto que existe a possibilidade de ação do El Niño. Caso o fenômeno volte mesmo a ocorrer, podem se repetir os problemas climáticos da última safra, marcada por seca na região central do país e fortes chuvas no Sul, o que exigirá do produtor rural atenção redobrada nos cuidados comas lavouras. As taxas de juros, que estão em elevação, também vão tornar imprescindível um trabalho cuidadoso na gestão financeira.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta colheita de grãos recorde na safra 2024/25: a empresa estima uma produção de 322,2 milhões de toneladas na temporada, um volume 8,3% superior ao de 2023/24. Acolheita será a maior da história tanto no caso da soja quanto no do milho.

A área de plantio de soja vai crescer 2,8%, ou o equivalente a 47,3 milhões de hectares. Em termos percentuais, esse vai ser o aumento de área mais tímido no país nos últimos seis anos, o que reflete a pressão da queda de preços em 2024 e a perspectiva de que as cotações sigam em declínio em 2025, segundo os analistas da estatal.

A Conab acredita que a área de cultivo de milho deva ter uma diminuição de 0,2%. Ainda assim, a produção deverá crescer 3,5%, graças ao aumento de produtividade, que, nos cálculos da instituição, será de 3,7%. Na safra 2023/24, afetada pela instabilidade climática e pela incidência de pragas, a produtividade média do milho brasileiro caiu 7,2%.

As duas culturas são importantes matérias-primas de cooperativas, indústria de carne bovina, indústrias de soja e óleos e das empresas das cadeias de comércio exterior , que, juntas, respondem por 48% da receita das 500 companhias que integram a nova edição do Anuário do Agronegócio. Como tradicionalmente ocorre, entram na lista as empresas de maior receita líquida.

Analistas de mercado projetam que, no ciclo 2024/25, os preços ficarão abaixo do patamar que se viu nas últimas três safras. Nesse intervalo, as cotações de algumas das mais importantes commodities agrícolas atingiram patamares inéditos no mercado internacional.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio- fundador da consultoria MB Associados, diz que o agronegócio brasileiro vive um ano bastante difícil, fruto de uma combinação de fatores, como queda de preços, instabilidade climática e elevação das taxas de juros, o que dificultou o acesso ao crédito.

Na visão do economista, além dos problemas decorrentes da quebra de produção e do declínio da produtividade, vê-se, em praticamente todas as regiões do país, uma piora nas condições financeiras dos produtores rurais e de alguns fornecedores de insumos. Os problemas concentram-se nos integrantes da cadeia que, entusiasmados com resultados bastante acima da média dos últimos anos, seguiram com alavancagem financeira elevada. “Há reacomodação do setor, no qual os agentes muito endividados têm que enfrentar ajustes difíceis e dolorosos”, afirma.

Mendonça de Barros observa que esse rearranjo será temporário. “Isso não afeta e nem afetará as vantagens competitivas do país. E, como nos contam os meteorologistas, as chuvas, embora tardias, serão relativamente regulares ao longo da estação”, afirma o economista. “Deveremos ter uma boa safra e a retomada do crescimento da agropecuária brasileira.”

A estimativa da MB Associados para o PIB da agropecuária é de crescimento de 3,5% em 2025. A projeção baseia-se na leitura de que o clima será favorável, de que a área de plantio vai crescer e de que a produtividade retornará a níveis “normais” – como, aliás, apontam as estimativas preliminares da Conab.

O economista acredita que os preços de alguns produtos importantes do agro brasileiro deverão subir no mercado internacional, notadamente café, laranja, açúcar e carne bovina. “No conjunto, devemos continuar competitivos, diversificando mais ainda os mercados compradores e gerando grande saldo comercial agrícola”, diz Mendonça de Barros.

Ele observa que, embora se espere desaceleração no mercado de trabalho, a renda real das famílias seguirá elevada no país, o que deve assegurar boa demanda no mercado interno. “O mais relevante é que, mesmo com os problemas nas finanças públicas, não esperamos um dólar muito acima da faixa de R$ 5,30 a R$ 5,40, uma consequência da redução das taxas de juros em todo o mundo desenvolvido, exceto no Japão”, resume.

Risco climático

A economista Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting, reitera a necessidade de os produtores adotarem cautela em suas decisões de negócios e de melhorarem sua gestão financeira. “Esse novo ciclo agrícola se inicia sob um viés de margens mais apertadas, o que torna o cenário mais desafiador para a construção de margens”, alerta.

Na opinião da economista, é muito importante que os produtores monitorem as variáveis econômicas e adotem uma postura mais disciplinada e cautelosa nos negócios, porque as margens de lucro já não estão em nível tão elevado quanto em anos recentes. “É preciso ficar com “um pé em cada canoa”. O cenário tem mais incertezas do que costumávamos ver. Não se pode perder de vista essas agendas de cautela e disciplina, que serão necessárias no longo prazo”, diz.

Para ela, o setor agropecuário saiu do “artificialismo do período pós-pandemia” e agora passa por uma conformação. “E agora temos algo que não estava no radar, que é a acomodação do próprio consumo das famílias. A outra coisa que está correlacionada é saber qual será o peso da China na demanda internacional por commodities”, afirma.

A economista avalia ser importante o Brasil conquistar novos mercados. “Aquilo que na pós-pandemia foi algo positivo (concentração das vendas para o mercado chinês), porque a China estava tendo uma performance muito melhor que o resto do mundo, e o Brasil se beneficiando, já não é mais a realidade e nem será em 2025.”

Latif chama a atenção para o fato de que, há 20 anos, a Europa era o destino de 50% de todas as exportações do agronegócio brasileiro e que, hoje, a participação é de apenas 16%. “É preciso lembrar que ter algum acordo com a União Europeia pode ser a chancela para o país aumentar o volume de embarques à Europa e atrair novos compradores. O Brasil pode ser o espelho para futuras relações comerciais”, avalia.

Freio de arrumação

O professor Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global, diz que, nas últimas duas safras, o setor acionou um “freio de arrumação”, o que deve prosseguir na nova temporada. “Vamos continuar crescendo em 2025, mas não será um voo de cruzeiro”, afirma. “É um voo cheio de turbulência que deixará mortos e feridos pelo caminho.” Para ele, os principais gargalos do agronegócio brasileiro continuam sendo a insuficiência de recursos no programa de apoio ao seguro rural e o déficit de armazenagem.

Segundo um estudo da Céleres Consultoria, para traçar as perspectivas para o agro brasileiro, é preciso considerar fatores como a desvalorização do real e por quanto tempo ela vai persistir, posto que esse movimento tem impacto direto sobre a formação de preços ao produtor.

Outro ponto a se considerar é a intenção de plantio dos produtores americanos a fim de tentar identificar a possibilidade de uma eventual diminuição da área de cultivo. “Como os preços estão baixos também para eles (produtores americanos), não causaria espanto a diminuição de área, que limitaria a oferta e estabilizaria os estoques globais”, diz o relatório.

Felippe Serigati, pesquisador da FGV Agro, também vê um quadro de acomodação do setor. “Uma leve contração neste ano não é má notícia, principalmente se ela vier com recuperação das margens”, pontua. Serigati observa que a perspectiva é favorável à pecuária bovina em termos de preços.

“Devemos passar por uma reversão do ciclo da pecuária em algum momento em 2025. O que temos observado é uma recuperação das margens, principalmente no segmento de cria. Em 2025, teremos recuperação, e o preço em dólares ainda está inferior ao de anos recentes. Já chegamos a exportar carne para a China a US$ 7.800 a tonelada. Hoje, ela está entre US$ 4.300 e US$ 4.500 a tonelada”, diz.

A Conab projeta que as exportações de proteínas animais deverão crescer 2,2% em 2025, para 10,1 milhões de toneladas, volume que, caso se confirme, será recorde. O destaque é a avicultura de corte: os embarques de carnes de aves devem aumentar 1,9% e atingir a máxima histórica de 5,2 milhões de toneladas.

Mendonça de Barros, da MB Associados, diz não ter dúvida de que a participação relativa do Brasil nos mercados globais de proteínas animais vai seguir crescendo e cita os dados sistemáticos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a agropecuária brasileira, considerada a mais competitiva do mundo sem subsídios. Ele também destaca que o Brasil tem se estabelecido cada vez mais como um fornecedor confiável, já que o país não está envolvido em nenhum grande conflito geopolítico nem sofre com grandes restrições sanitárias.

“O melhor exemplo disso ocorreu ao longo de 2023/24 na área de produção de aves. O Brasil foi o único produtor relevante de carne de frango que não sofreu os efeitos negativos da disseminação da gripe aviária, dada a robustez do nosso sistema público e privado de defesa sanitária”, afirma.

Sobre as preocupações dos exportadores brasileiros com o impacto da lei da União Europeia que proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020, Mendonça de Barros observa que o Brasil não foi o único país a solicitar o adiamento da data de início dos efeitos da legislação, prevista para 30 de dezembro. Na opinião do economista, a razão mais relevante para o Brasil sugerir o adiamento é a complexidade do desenvolvimento dos mecanismos justos de aferição dos itens contemplados na lei.

Fonte: GR

Compartilhe

Notícias Relacionadas

Últimas Notícias