A proposta é da Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (AESO) e sugere que o IMC é “insuficiente” para diagnosticar e controlar a doença.
O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma das principais ferramentas utilizadas atualmente para o diagnóstico da obesidade. Obtido através do peso e da altura de uma pessoa, o índice aponta níveis de magreza, sobrepeso e grau de obesidade, norteando o trabalho de profissionais de saúde. No entanto, um artigo publicado nesta sexta-feira (5) na Nature Medicine sugere que o sistema é “insuficiente” e outros critérios devem ser levados em conta para diagnosticar e controlar a doença.
O artigo foi elaborado e lançado por especialistas da Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (AESO) e propõe a modernização do diagnóstico e tratamento da obesidade para levar em consideração as últimas descobertas e avanços na área.
“Uma novidade importante do nosso quadro diz respeito ao componente antropométrico do diagnóstico. A base para essa mudança é o reconhecimento de que o IMC sozinho é insuficiente como critério diagnóstico e que a distribuição da gordura corporal tem um efeito substancial na saúde”, afirmam os autores.
“Mais especificamente, o acúmulo de gordura abdominal está associado a um risco aumentado de desenvolver complicações cardiometabólicas e é um determinante mais forte do desenvolvimento da doença do que o IMC, mesmo em indivíduos com um nível de IMC abaixo dos valores de corte padrão para o diagnóstico de obesidade (IMC de 30)”, acrescentam.
O que o artigo propõe para o diagnóstico de obesidade?
O novo quadro aponta a gordura abdominal (visceral) como um importante fator de risco para a deterioração da saúde, inclusive em pessoas com baixo IMC e ainda livres de manifestações clínicas evidentes da obesidade.
A atualização inclui pessoas com IMC mais baixo (de 25 a 30, considerado sobrepeso), mas que possuem aumento no acúmulo de gordura abdominal e a presença de complicações médicas, funcionais ou psicológicas que fazem parte da definição de obesidade. Na visão dos autores, essa mudança reduz o risco de subtratamento neste grupo em particular de pacientes, em comparação com a atual definição de obesidade baseada apenas no IMC.
Na visão de Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o consenso “é uma tentativa de incluir uma visão mais ampla, levando-se em consideração que a obesidade é uma doença crônica, progressiva, recidivante e complexa”.
“O consenso da AESO segue para a linha na qual o diagnóstico da obesidade é recomendado levando em consideração não apenas o IMC, mas outros fatores. Então, pessoas com IMC acima de 25 podem ser diagnosticadas com obesidade, caso tenham uma relação cintura/quadril alterada, e eventualmente, levando em consideração, também, o excesso de adiposidade”, explica.
Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) aponta qual é a principal novidade do documento. “Nessa diretriz, o que talvez seja mais inovador é aumentar o escopo de obesidade para pessoas de descendência europeia que tenham um IMC acima de 25 e uma circunferência abdominal aumentada, avaliada não só pela circunferência, mas pela circunferência dividida pela altura”.
“Então, se a sua circunferência abdominal for mais do que metade da sua altura, então você pode ser considerada uma pessoa de alto risco. Se tiver alguma condição médica, funcional ou psicológica, com um IMC entre 25 e 30, você tem obesidade”, acrescenta.
Por outro lado, para Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a definição proposta pela associação é “inadequada”.
“O IMC realmente não define se o indivíduo tem um maior risco cardiovascular ou não, se ele tem mais chance de ter diabetes ou de ter hipertensão. Mas o grande problema desse artigo é que ele insiste na mesma definição de obesidade de sempre. Dizer que a obesidade vai ser definida pela distribuição de gordura é continuar na mesma. Esses dois parâmetros (IMC e distribuição da gordura) são acessórios, mas a obesidade tem sinais e sintomas específicos e eles não estão definidos no artigo”, comenta à CNN.
Novas recomendações propostas para o tratamento
Segundo os autores do artigo da AESO, os pilares para o tratamento da obesidade recomendados no documento aderem substancialmente às diretrizes atuais disponíveis. Isso inclui modificações comportamentais, como terapia nutricional, atividade física, redução do estresse e melhora do sono, além de terapia psicológica, medicamentos para obesidade e procedimentos metabólicos ou bariátricos.
No entanto, para as duas últimas opções (medicamentos e procedimentos para obesidade), o comitê diretor da associação discutiu que as diretrizes atuais se baseiam em ensaios clínicos, nos quais os critérios de inclusão foram baseados em valores de corte antropométricos, em vez de uma avaliação clínica completa.
Na prática atual, a aplicação rigorosa desses critérios baseados em evidências impede o uso de medicamentos para obesidade ou procedimentos metabólicos e/ou bariátricos em pacientes com uma carga substancial de doença por obesidade, mas com valores baixos de IMC.
Por isso, os membros do comitê propuseram que, em particular, o uso de medicamentos para obesidade deve ser considerado em pacientes com:
- IMC de 25 kg/m² ou superior;
- Uma relação cintura-altura acima de 0,5;
- Presença de comprometimentos ou complicações funcionais, ou psicológicas, independentemente dos valores de cortes atuais de IMC.
Os autores também defendem que os objetivos terapêuticos devem ser definidos de forma personalizada, levando em consideração o estágio e gravidade da doença, as opções terapêuticas disponíveis e possíveis efeitos colaterais e riscos concomitantes, além de preferências do paciente e possíveis barreiras ao tratamento. Por fim, eles defendem ainda a necessidade de um plano de tratamento abrangente de longo prazo ou para toda a vida, “em vez de redução de peso corporal a curto prazo”.
Conforme noticiado pela CNN Brasil, na visão de Cohen, essa proposta é preocupante. “Eles estão propondo um supertratamento, porque eles definem que, para ter obesidade, a pessoa precisa só ter sintomas ou outras doenças relacionadas à obesidade — como hipertensão, diabetes e apneia do sono — para serem consideradas obesas, sendo que a obesidade é uma doença por si só, ela não precisa dessas outras complicações para existir”, afirma.
“Com isso, essa definição aumenta muito o número de pessoas a serem tratadas e prolonga a luta que temos de priorizar o tratamento das pessoas que realmente precisam”, comenta.
Associações brasileiras também propõem mudanças no critério de diagnóstico de obesidade
O artigo da AESO não é o único a propor mudanças na forma como a obesidade é diagnosticada e tratada atualmente. No Brasil, Abeso e a SBEM também propõem a reclassificação do IMC, incluindo metas de tratamento que passem a ter como referência não mais o cálculo do IMC, mas a perda percentual do peso de cada paciente, aderindo aos termos “obesidade reduzida” ou “obesidade controlada“, de acordo com o percentual de peso perdido.
Nesta classificação, o enfoque passa a ser o peso máximo atingido em vida (MWAL – Maximum Weight Attained in Life). A proposta de reclassificação dos pacientes em tratamento para obesidade veio após os especialistas alertarem que uma perda modesta de peso, geralmente acima de 5%, já é benéfica à saúde, mesmo que o IMC final ainda indique obesidade, ou seja, superior a 30 (kg/m²).
Para Halpern, presidente da Abeso, a nova classificação pode mudar como pacientes e profissionais de saúde encaram a obesidade. “Focar na melhoria da saúde através de perdas modestas de peso é uma estratégia mais realista e sustentável”, afirma. Em pesquisa lançada pela Abeso e pela SBEM, 82% dos brasileiros consideram a nova classificação útil para mudar a percepção sobre o tratamento da doença.
O especialista ainda afirma que a proposta vai ao encontro do documento da AESO. “Ele vai ao encontro do que temos discutido, de que o IMC isoladamente não deve ser a forma de se diagnosticar a obesidade, ou que o peso em si não é o principal fator no tratamento da doença. Existem metas que vão muito além do peso propriamente dito”, explica.
Além disso, na visão de Halpern, o documento da AESO destaca que o objetivo do tratamento da obesidade é melhorar a saúde e a qualidade de vida. “[Defende] que se deve definir alvos terapêuticos personalizados, levando em conta uma série de fatores como melhora de doenças associadas, melhora de qualidade de vida e assim por diante. Isso vai de encontro à nossa classificação original da Abeso/SBEM”, completa.
Por: Gabriela Maraccini