Trabalho análogo à escravidão e tráfico de indígenas paraguaios expõem realidade de exploração em propriedades rurais do estado
Operação realizada entre os dias 18 e 22 de novembro, com apoio e participação do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), resultou no resgate de 31 trabalhadores indígenas paraguaios, incluindo quatro adolescentes, submetidos a condições análogas à escravidão em duas propriedades rurais do estado, uma em Nova Andradina e outra em Ribas do Rio Pardo. As vítimas foram descobertas após seus veículos clandestinos serem interceptados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). O caso revelou um esquema de tráfico humano que envolve indígenas paraguaios, trazidos sem qualquer formalização imigratória para trabalhar na colheita da mandioca.
Tráfico de trabalhadores e condições degradantes
Em área rural de Nova Andradina, na Fazenda São Cristóvão, pertencente ao Grupo Coimma, foram resgatados 19 trabalhadores, sendo um adolescente. A abordagem ocorreu enquanto retornavam ao Paraguai em veículos contratados pelos próprios aliciadores, popularmente conhecidos por “gatos”, interceptados pela Polícia Rodoviária Federal no trajeto entre Nova Andradina e Nova Alvorada do Sul.
Após o resgate, as vítimas foram encaminhadas à Delegacia de Polícia Civil de Nova Alvorada do Sul, onde prestaram depoimentos à Auditoria-Fiscal do Trabalho e ao procurador do Trabalho responsável pelo caso, Paulo Douglas Almeida de Moraes, titular regional da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conaete) do MPT.
Segundo consta na ata da audiência, realizada no dia 21 de novembro na Promotoria de Justiça de Nova Alvorada do Sul, os trabalhadores resgatados viviam em condições precárias e completamente desprovidas de direitos básicos. Contratados para a atividade de “arrancação” de mandioca, eles não possuíam registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social, tampouco haviam passado por qualquer processo formal de imigração. As diárias foram acertadas em R$ 130, mas não foram fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ou condições mínimas de segurança para a execução do trabalho.
Flagrante de trabalho análogo ao de escravo. Foto: Ascom MPT-MS
No local, havia banheiros precários e sem áreas de vivência. A alimentação precisava ser comprada pelos próprios trabalhadores. Além disso, nenhum exame admissional ou medida de saúde ocupacional foi realizado. Durante a audiência administrativa, os dois aliciadores alegaram desconhecer a presença de um adolescente no grupo, mas as condições a que submeteram os trabalhadores configuraram graves violações à dignidade e aos direitos fundamentais.
A tentativa de conciliação extrajudicial com os representantes da Fazenda São Cristóvão não foi bem-sucedida. Não houve acordo para compensação dos danos civis-trabalhistas e morais das vítimas. Como resultado, o caso será judicializado, com o MPT-MS pleiteando R$ 3.705.000,00 em danos morais individuais, R$ 37.705.000,00 em danos morais coletivos e R$ 114.640,87 em verbas rescisórias.
Já em Ribas do Rio Pardo, na propriedade que firmou acordo com MPT-MS, foram encontrados 12 trabalhadores, incluindo três adolescentes. No local, os trabalhadores resgatados enfrentavam condições de trabalho degradantes. Cada trabalhador recebia apenas R$ 25 por “bag” de mandioca colhida, sem que lhes fossem fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), apenas as ferramentas para o serviço. No local de trabalho, também não havia banheiros próximos à lavoura ou áreas de vivência adequadas para as refeições. A alimentação era fornecida pelo próprio contratante, mas os custos do transporte até o local, realizado por um “táxi” contratado, foram integralmente cobrados dos trabalhadores, somando cerca de R$ 2.000,00. Essa combinação de exploração financeira e condições degradantes evidencia a gravidade das violações dos direitos humanos.
Alojamentos precários expõem violações de direitos. Foto: Ascom MPT-MS
Neste caso, no entanto, houve um desfecho diferente. Na audiência administrativa realizada em 21 de novembro, ocorrida nas dependências da Procuradoria do Trabalho em Dourados, foi possível firmar três Termos de Ajuste de Conduta (TACs). Como resultado, os trabalhadores resgatados receberam um total de R$ 618.750,00 em danos morais individuais, R$ 50.000,00 em danos morais coletivos e R$ 46.970,04 em verbas rescisórias. Após o pagamento, as vítimas foram escoltadas até a fronteira de Mundo Novo e retornaram ao Paraguai com o compromisso de regularizarem sua documentação e contas bancárias para o recebimento integral de seus direitos.
Ações interinstitucionais e combate à exploração
A operação envolveu o MPT-MS, Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Polícia Militar Ambiental e agentes da Polícia Institucional, integrantes da Gerência de Segurança Institucional (GSI) do MPT. A situação expõe a gravidade do tráfico humano e da exploração de trabalhadores vulneráveis. Para o procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes, os casos revelam não apenas a exploração de pessoas em condições degradantes, mas também a utilização de indígenas paraguaios, grupo historicamente à margem dos direitos trabalhistas, como alvo principal do tráfico de mão de obra.
“As operações revelaram um esquema que vai além do trabalho escravo, já que envolve o tráfico de indígenas paraguaios para trabalhos clandestinos no Brasil. Isso escancara a fragilidade de nossas fronteiras e a exploração sistemática dessas populações vulneráveis. O resgate desses trabalhadores e a responsabilização das empresas são passos fundamentais para proteger os direitos humanos e combater práticas que desrespeitam a dignidade. Estes casos também reforçam a necessidade de ampliar os esforços de fiscalização e conscientização em parceria com as instituições de segurança pública e justiça”, evidenciou Moraes.
Os trabalhadores resgatados agora aguardam os desdobramentos das ações judiciais. Os casos, que já resultaram em significativas reparações financeiras, ressaltam a necessidade urgente de ações interinstitucionais para proteger os direitos humanos e garantir condições dignas de trabalho.
Referente aos ICs 1268.2024 e 1276.2024
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul