Caso sobre possibilidade de recálculo das aposentadorias tem estimativas de impacto divergentes e governo tenta limitar gasto.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quarta-feira (20) a análise do processo da “revisão da vida toda” nas aposentadorias, caso em que o governo federal busca diminuir o impacto financeiro no recálculo dos benefícios.
Uma estimativa inicial do governo foi calculada em R$ 480 bilhões. O valor refere-se a um cenário “pessimista” em que todos os aposentados pudessem revisar seus benefícios.
Advogados da área previdenciária que acompanham o caso dizem que o valor gira em torno de R$ 3 bilhões, ao se considerar que há um número restrito de aposentados com direito à revisão.
A “revisão da vida toda” tem esse nome porque se refere ao recálculo do valor da aposentadoria considerando todas as contribuições feitas durante a vida do trabalhador, inclusive aos anteriores à adoção do Plano Real, em 1994.
Os ministros julgam um recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU), em que se discute o alcance da decisão que validou a chamada “revisão da vida toda”.
A análise do recurso começou em 2023 no plenário virtual da Corte, mas foi remetida ao plenário físico por decisão do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Em dezembro de 2022, o STF reconheceu a possibilidade de revisão das aposentadorias. Na ocasião, a Corte permitiu por maioria estreita (6 a 5) que uma parte dos segurados do INSS refaça o cálculo do valor de seus benefícios, considerando as contribuições anteriores a 1994, quando entrou em vigor o Plano Real.
A depender de cada situação, é possível aumentar a quantia a receber.
A AGU então recorreu dessa decisão, pedindo esclarecimentos e uma limitação para quem teria direito a revisar os valores. É o julgamento desse recurso que começou em formato virtual e que agora será retomado em sessão presencial.
Todos os processos na Justiça que discutem o recálculo de aposentadorias estão suspensos até o fim do julgamento desse recurso. O caso tem repercussão geral, então o entendimento que for tomado deverá ser aplicado em todas as disputas judiciais sobre o tema.
Em cálculo que consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a União estimou em R$ 480 bilhões o impacto econômico de uma decisão que fosse amplamente favorável aos aposentados.
Esse quadro já não é mais realista, dadas as limitações temporais de quem pode requisitar a revisão e considerando os votos já apresentados pelos ministros.
A AGU entende que não é possível precisar um valor de impacto, já que o julgamento no STF vai tratar de aspectos que afetarão o número de pessoas com direito ao recálculo e, consequentemente, o valor total.
Estudo prevê impacto de R$ 3 bi
Segundo o Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), o custo total da revisão nas aposentadorias gira em torno de R$ 3 bilhões.
As informações constam em parecer feito a pedido da entidade com estudo de impacto econômico elaborado pelo professor Fábio Zambitte, doutor em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Conforme ressaltou o instituto, a revisão não cabe para quem se aposentou há mais de dez anos, por causa do prazo decadencial (período de dez anos que a pessoa tem para requerer um direito na Justiça).
Ou seja, só pode entrar com ação e requerer a revisão quem se aposentou a partir de 2014. Também não tem direito a pedir a revisão na Justiça quem se aposentou após 13 de novembro de 2019, data que entrou em vigor a última reforma da Previdência.
Como ministros já votaram
O julgamento do recurso da AGU vai recomeçar do zero. No plenário virtual, foram apresentadas três correntes diferentes de votos.
Os ministros podem manter seus votos já proferidos na análise virtual, ou podem mudar suas posições com o debate.
No plenário virtual, quatro ministros foram a favor de garantir a revisão, limitando os efeitos com marcos temporais para a sua aplicação. Nessa corrente, foram duas propostas diferentes de data.
Outros três votos defendem que o caso seja rediscutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com anulação da decisão do STF de dezembro de 2022 que permitiu o recálculo.
Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Edson Fachin e Cármen Lúcia defenderam a validade da revisão da vida toda, com efeito limitado no tempo.
Moraes propôs que o marco temporal para recálculo do valor das parcelas seja 1 de dezembro de 2022 (quando ocorreu o julgamento no STF).
Rosa Weber propôs outro marco temporal, mais benéfico aos aposentados, para atualizar os valores das aposentadorias: 17 de dezembro de 2019 (data em que o STJ definiu a possibilidade da revisão).
Seguiram Weber os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Apesar de ter deixado a Corte, o voto de Rosa Weber segue valendo porque foi apresentado antes da sua aposentadoria.
Cristiano Zanin defendeu a anulação do acórdão (decisão colegiada) da primeira Seção do STJ que havia validado a revisão da vida toda, com novo julgamento do tema no tribunal. Essa posição, caso saia vencedora, tem o potencial de reverter a posição do Supremo que validou a revisão da vida toda.
Roberto Barroso e Dias Toffoli seguiram essa posição.
A base do entendimento dessa corrente é que o STJ não poderia ter definido o assunto por um órgão fracionário do tribunal (a primeira Seção), e sim pela Corte Especial (formada pelos quinze integrantes mais antigos).
Caso fiquem derrotados neste ponto, Zanin, Barroso e Toffoli propuseram como marco temporal para recálculo do valor das parcelas a data de 13 de dezembro de 2022 (quando foi publicada a ata de julgamento do STF sobre o tema).
No ponto de estabelecer o marco temporal (a chamada “modulação de efeitos” de uma decisão), os sete ministros concordam em não permitir a revisão nos casos de:
- Benefícios previdenciários já extintos
- Parcelas já pagas até dezembro de 2022 em processos com decisão judicial definitiva (que não cabe mais recurso)
Também está listada na pauta a análise sobre a incidência do Pis e da Cofins sobre receitas decorrentes de locação de bens imóveis e móveis. Na LDO, o impacto previsto para o julgamento é de R$ 36 bilhões. São R$ 20 bilhões no recurso sobre bens móveis, e R$ 16 bilhões, imóveis.
Outro caso de repercussão econômica na pauta é o que discute o alcance da decisão do próprio Supremo que, em fevereiro de 2023, validou a chamada “quebra da coisa julgada” tributária.
Um conjunto de recursos pedem uma limitação dos efeitos dessa decisão, para que o entendimento fosse aplicado só daqui para frente. A análise começou em novembro, e já se formou maioria contra essa limitação – na prática, uma derrota para os contribuintes.
“Pauta verde”
Antes de seguir para as duas pautas relacionadas com economia, no entanto, os ministros precisam encerrar a análise de ações da chamada “pauta verde”, com uma discussão sobre a elaboração de um plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia.
O julgamento do tema começou no final de fevereiro e foi retomado na semana passada.
Ações foram apresentadas por Rede, PT, Psol, PSB, contra a gestão ambiental do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O relator do caso, ministro André Mendonça, propôs dar 90 dias para que a União elabore o documento.
De acordo com as últimas informações noticiadas pela CNN Brasil, conforme o voto, o plano deverá ter parâmetros com estatísticas e metas, e ter a execução monitorada pelo Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Mendonça também propôs as seguintes medidas:
- Divulgação detalhada de dados da dotação orçamentária para a área de prevenção à queimadas;
- Determina aos governos estaduais a publicidade de processos sobre negativa de licenciamento para retirada de vegetação;
- Elaboração de relatórios semestrais sobre os resultados das medidas;
- Fixa em 180 dias o prazo para a União regulamentar o Fundo Social (que tem como fonte os recursos do Pré-sal) para uso das verbas em ações de proteção do maio ambiente e mitigação de mudanças climáticas;
- Complementar o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) para aumentar percentual de validação de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Neste último ponto, Mendonça propôs que o plano fixe em 18 meses o período para as melhorias nos dados do sistema. Segundo sua proposta, até o final do prazo o cadastro deve chegar ao patamar de 70% das informações regularizadas.
O CAR é um registro público obrigatório para todos os imóveis rurais. Há inconsistências nos dados, por se tratar de informação autodeclaratória feita pelo proprietário, que requer validação posterior pelos órgãos estaduais.
Há casos, por exemplo, de sobreposição do CAR com terras indígenas e unidades de conservação.
Mendonça também propôs uma integração nos dados dos sistemas de monitoramento do desmatamento e da titularidade fundiária, para ampliar o controle automatizado do desmatamento ilegal.
Segundo a votar, o ministro Flávio Dino divergiu quanto às determinações sobre o CAR e sobre o fundo do pré-sal.
Por: Lucas Mendes e Danilo Moliterno da CNN Brasília e São Paulo